Adoro quando o verão se insinua assim... num vai e vem algo inconstante e quase tardio, quando ele provoca e atiça num novo espreitar. Quando já parecia que a eternidade nos separaria, eis que ele me proporciona um novo usufruto. Oxalá não seja o último...
A azáfama dos dias é para ser vivida sem que os contratempos, as desilusões, as responsabilidades, os dramas profissionais, a angústia das decisões difíceis e o prazer dos projetos concretizados se sobreponham a um bem que deve ser sempre maior do que tudo isso... A preservação da tua auto estima interior e exterior e a certeza de que, mesmo sozinha, és capaz de enfrentar o mundo inteiro, mesmo naqueles dias em que ninguém parece querer apostar em ti!
Não há melhor soporífero para a debandada geral dos nossos sonhos, principalmente quando parece que o chão estremece e foge, do que o trazer à tona a memória de dias felizes. Pois, eu sei, são aqueles dias que nunca mais voltam, quer por força das contingências do calendário, ou das próprias circunstâncias da nossa existência, mas é inegável contrariar aquele dito que, se o coração for uma fortaleza inexpugnável, podemos vivenciar tudo aquilo que de bom já experimentámos, sempre que quisermos.
Sei que ultimamente tenho-me refugiado numa onda nostálgica algo tempestuosa, mas talvez fosse bem pior se eu me refugiasse em outras coisas menos recomendáveis a até físicas, que pudessem, ou não, colocar terceiros no prato da balança das minhas emoções, para colocar novamente nos píncaros os meus índices de confiança e motivação, mas não sei se já estou de novo preparada para tal passo.
Recordo-me bem deste dia, há já alguns anos atrás, mas não assim há tantos quanto isso. Na verdade, sendo pleno verão, era mais um dia de trabalho como tantos outros dias de trabalho em que os segundos, os minutos e as horas passam sorrateiramente, sem quase darmos por isso, porque somos felizes por fazer aquilo que tanto gostamos e para que nascemos. No entanto, inesperadamente, sem contar minimamente com isso, esse dia específico, ainda bem fresco na minha memória, tornou-se num verdadeiro busy day at the office, vá-se lá saber porquê...
Gosto destes dias de Inverno onde o tempo não obedece rigorosamente ao calendário e também há luz e cor. São dias que me ajudam a preencher a alma, dias em que a brisa menos suave e mais agreste não é mais forte do que a minha vontade de calcorrear as pedras da calçada da cidade onde moro e de rodopiar sobre mim própria ou sobre todos aqueles que me mostram sorrisos quase tão belos como o céu matinal pintado pelo solstício que se aproxima.
Nestes dias em que o frio não é muito frio, adoro testar a paciência do inverno e provar que nem ele consegue entorpecer as minhas mãos quando as coloco em pala e prescruto o horizonte até onde a minha vista alcança, em busca daqueles meus sonhos que são cada vez mais inadiáveis, mas que as circunstâncias do dia a dia me têm arranjado sempre uma desculpa para os deixar guardados de lado e mortiços.
Quem tem brio não tem frio, já dizia a minha avó, descrita por algumas conterrâneas e contemporâneas como a menina mais fina, delicada e vaidosa da rua onde viveu mais de meio século. E em dias iguais aos de hoje lembro-me sempre dela e das palavras sábias dessas senhoras que insistem em encontrar em mim parecenças com ela, porque, de manhã, ao remexer no meu closet, procuro sempre a melhor forma de a homenagear.