Dançando de passo apressado, ruborizada, desgovernada, inquieta, assustada, envergonhada e até sentida, passeio fora, numa avenida cheia de carros a apitar e de pessoas compenetradas com os seus dilemas existenciais, ao sabor de um vento que insiste em soprar com uma intensidade anormal para a época, cheguei finalmente ao ponto mais longínquo do local de partida e encostei-me áquele semáforo que teimosamente demorava, até com um certo ar de gozo, a dar-me prioridade de passagem, enquanto desconstruia na minha mente tudo aquilo que me tinha sucedido poucos minutos antes.
Era uma manhã normal de trabalho. O blazer impecavelmente pendurado no encosto do meu cadeirão aconchegava-me a leve brisa que uma janela entreaberta nas minhas costas deixava entrar para arejar um espaço humidificado por semanas inteiras de um inverno de rigores e enquanto alguns colegas riam baixinho, de telemóvel em riste, outros, com ar sério, desfolhavam vários dossiers, em busca daquela informação periclitante que os permitisse descer para o almoço com a sensação de dever cumprido. Pouco depois era informada da chegada do meu esperado segundo compromisso da manhã (o primeiro, de outro género completamente diferente e nada profissional, tinha sido ainda em casa, no meu leito, porque é nas madrugadas que o dia começa).
Descruzei as pernas, passei as mãos ao de leve para ajeitar a saia de pele preta, que terminava impecavelmente meio palmo acima do joelho, alinhei o cabelo com dois ou três dedos, firmei os calcanhares contra a palmilha do stilleto prateado e levantei-me com a minha habitual descontração, segurança e sobranceria, para me dirigir à porta do gabinete. Aí chegada, ofereci o meu melhor sorriso, sem falsas hipocrisias, verdadeiro e honesto, estendi o meu braço e ofereci a minha mão para um cumprimento formal, mas até algo caloroso, seguindo-se a já esperada mudança de direção rumo à minha secretaria onde, antes de me recostar, deixei o obrigatório convite, com outro sorriso, para que a cadeira defronte da minha, do outro lado do tampo da mesa, fosse devidamente ocupada.
A conversa demorou o tempo esperado, uma meia hora, com o maior profissionalismo possível, os assuntos tratados foram debatidos com interesse e tudo sucedeu de modo expedito, sem surpresas, com o sumo da reunião a corresponder e a superar até as expetativas iniciais de ambas as partes. No final, estando já ambos de pé, um novo cumprimento, o acompanhamento da praxe até à saída, com mais um sorriso e, no regresso, um desvio à casa de banho porque a bexiga desde a segunda metade da reunião tinha decidido, sem contemplações, dar sinais de si.
Em dois minutos a bexiga ficou aliviada e o serviço despachado na sanita branca forrada a renova de dupla folha. Levantei-me, ajeitei com um malandro abanar de ancas a cuequinha, a meia de vidro e a saia quando, de repente, ao verificar se a blusa estava bem esticada e alinhada, o universo parou de girar, os ponteiros dos relógios estagnaram e tudo parou em redor! O pânico apoderou-se de mim, fiquei a tremer descontroladamente, atónita e surpresa... Como é que foi possível que durante toda aquela reunião a minha blusa tenha estado com dois estratégicos e fulcrais botões indevidamente desabotoados?
Upssss... Ele está-me a ligar, quer reunir-se de novo comigo amanhã. Diz que considera haver alguns aspetos da proposta inicial e posteriormente aprovada que precisam de ser melhor escalpelizados e que prefere fazê-lo pessoalmente e o mais rápido possivel! Não precisava era de ser logo dois dias depois...